terça-feira, 10 de junho de 2014

A Foto de Turma


- Ei, ei. Psiu. Olha pra cá.
- Que foi?
(barulho do flash)
- João, você saiu olhando pro lado de novo!
- Desculpe, Dona Joana.
- Vamos tentar mais uma vez. Sorriam, crianças. 
- João! João, o que é isso? Olha pra cá!
- 1, 2, 3 e....
- O que é Pedro?
(barulho do flash)
- João, não é possível! De novo!
- Dona Joana, o Pedro me chamou...
- Para de brincadeiras, João. Essa vai ser a última vez. Quer acabar com o filme da câmera? Vamos lá, de novo. Sorriam.
- João, você não vai acreditar! Olha só isso!
- 1, 2, 3 e...
- Para com isso, Pedro!
(barulho do flash)
- Já chega, João! Você não vai sair na foto do anuário deste ano!
- Mas, professora...
- Saia, João! Agora. 


Lembra-se disso? Eu me lembro como se fosse ontem. E hoje consigo ver o pedaço que está faltando nessa foto. Um pedaço da nossa turminha de 1963. Sabe, é engraçado porque eu não consigo encontrar mais nenhuma foto dos anuários dessa época. Só encontro essa. Logo essa em que você não está. Por um segundo, quando eu olhei pra essa foto, eu pensei que não era mais capaz de reconhecer o seu rosto. Aquele rosto, daquele tempo. Daquele tempo em que colávamos chicletes embaixo da carteira, em que corríamos como loucos para o recreio, em que ir para casa era abandonar a nossa própria casa. Como foi boa aquela turma de 60! Os anos passaram, e cada um foi voando, traçando o seu próprio caminho para longe daquela cidadezinha, tão escondida no imenso mapa brasileiro, mas tão cheia de encantos. Nós fomos a primeira turma. E estreamos com chave de ouro, acredito. Aprontamos muito. Mas sabe, João, mesmo que eu tivesse encontrado as outras fotos, do ano anterior ou dos que se seguiram, não teria a mesma graça. Essa foto, apesar de incompleta, carrega em si historias inteiras, e não pela metade. Então, nesse dia, do seu aniversário, eu lhe mando de recordação do momento que os seus olhos congelaram. O momento em que você não está de corpo, mas de alma, atrás da câmera. Como se visse através dela. Hoje os mesmos olhos observam o mesmo quadro através de outra janela. E tantas janelas se passaram.
Eu tenho saudade daquele tempo, meu amigo. E é por isso que lhe mando essas recordações, para que não continue a envelhecer se esquecendo do que fomos um dia, um tempão atrás. Cada um de nós foi para um lado, mas tenho certeza que essas histórias ainda nos unem, porque ainda estão presentes em nossas lembranças mais doces. Mando essa foto, também, porque acredito que você não a tenha. Acho que essa, talvez, mereça um espaço na parede.

Ei, João. Olha pra cá.
Um abraço, do seu grande amigo,
Pedro.

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