sexta-feira, 30 de julho de 2010

Lua Cheia

A roupa de cama estava amarrota sobra a cama de casal, vazia e branca demais, colocada exatamente no meio do meu quarto. Eu já havia trocado-a de lugar três vezes. Já havia me deitado, tentando dormir, mas eu mal conseguia piscar, com medo de perder alguma linha do pensamento.
Deitei-me novamente. Olhei a noite escura, a lua cheia que brilhava como um abajur focado em meus olhos. A culpa era dela! Levantei-me para fechar as cortinas. Meu quarto ficou preto, ainda mais que antes. Deitei-me novamente. Piscava os olhos dando intervalos longos, buscando incentivá-los. Virei-me para um lado, depois de bruços, depois para o outro... Nada!
Sentei-me ao pé da cama. Olhei o relógio: 3h30 da manhã. Abri novamente as cortinas e vi o meu quarto clarear. Fitei-a novamente. Tão grande e brilhante. Tão linda! Como era perversa de encarregá-la por minhas culpas.
Fui até o banheiro, lavei o rosto, escovei os dentes e sai depressa antes que pudesse me deparar com minha imagem no espelho. Vesti as roupas que estavam em cima da cadeira e, antes de deixar meu quarto negro, olhei-a novamente. Sentia-me terrível por tê-la escondido dos meus olhos.
Saí antes que alguém pudesse perceber o barulho; antes que eu mesma me desse conta do horário e da minha atitude insana.
Enquanto caminhava na rua, meus pés mecânicos moviam-se com muita rapidez. A minha mente não estava conseguindo dominá-los. Ela também não estava conseguindo se controlar. A lua cheia estava a amedrontando.
Caminhei bastante. Ate que cheguei ao seu apartamento.
Toquei a campainha e esperei.
Nada.
Toquei novamente. Dessa vez com um pouco mais de intensidade.
Finalmente!
– Oi! O que faz aqui? – a sua cara de sono só me deu provas de que eu estava realmente louca.
Respirei fundo. Ele permanecia esperando, impaciente e sonolento.
– O que você viu na lua hoje?
– Como?
– É. O que ela te disse essa noite?
– Está bêbada?
– Não. Só me responda.
Ouvi seu suspiro impaciente. Ele se virou para dentro do apartamento. Seus olhos procuravam algo em particular. Não encontrou.
– Vamos, entra aqui. Você não está bem...
Ele pegou em uma de minhas mãos, me puxando para dentro. Desvie-as em um único reflexo. Encarei-o novamente. Eu ainda ansiava por sua resposta.
– Eu não sei o que ela me disse! Nada, eu acho. Que diferença faz?
– Nada?
Ele assentiu e deu de ombros.
Eu virei as costas para seu belo rosto e fui embora, derrotada.
Os dias se passaram. Eu não tive coragem de procurá-lo desde então.
Mas a bela lua, redonda e branca, me visitava todas as noites. Eu sentia como se estivesse encurralada. Meu quarto era escuro demais e lá fora, claro o bastante a ponto de cegar meus pensamentos e minhas certezas, ela era muito clara, muito lúcida, muito certa de seu brilho. Que inveja da sua segurança!
Tentei voltar até o seu apartamento durante as três noites que se seguiram. Mas não consegui passar da porta. Também não conseguia voltar para o meu quarto.
No final de tarde que se sucedeu, ele veio até mim.
– Você sumiu.
– Sumi? – A lua não pensava da mesma forma.
– Você se lembra do ataque de loucura daquela noite não é?!
– Ataque de loucura?
– A história sobre a lua...
– Ah sim, claro... E você já chegou a alguma conclusão?
– O que? Não! Você só pode estar brincando comigo.
– Não, não estou.
Seus olhos passavam pelo meu corpo. Analisavam calmamente a expressão em meu rosto, que permanecia sereno. Ele ainda procurava algo.
– A lua está bonita se é isso que quer saber – olhou-me novamente, esperou por alguma reação. Desistiu. – Me explique o que há de errado com a lua?
– Errado? Com a lua? De jeito nenhum! Ela que não poderia ser mais pura, mais bela e inocente. A errada na história sou eu. Ou mesmo você... Talvez nós dois.
Ele não disse nada durante algum tempo. Ficamos em silêncio, nossos olhos percorrendo o ambiente, mas nunca se confrontando. Ele estava com medo. Mas seria de mim ou da lua? Não. Não poderia alguém ser capaz de temê-la. Apenas eu, naquele momento de surto, onde a minha fraqueza me incentivou a acreditar que eu realmente poderia me livrar do peso de uma escolha.
De repente, depois de muito tempo, ele compreendeu.
Colocou a mão em seu rosto, a boca entreaberta. Seus olhos haviam encontrado o que tanto procuravam.
Seus passos foram pequenos e muito lentos, mas ele chegou até mim, ajoelhou-se e abraçou minha cintura. Olhou-me com arrependimento, mas depois, gratidão. Beijou a minha barriga e sorriu.
– Por que você não me falou?
Nossos sorrisos se encontraram.
– Eu falei. E sabia que entenderia, não importa quanto tempo levasse. Sabia que a mesma coisa grande e redonda que me amedrontou por um instante, o faria enxergar o caminho com sua luz.
Beijou-a mais uma vez e disse:
– Obrigado.

domingo, 18 de julho de 2010

Quatro Estações


Permitir-se mudar, significa mostrar ao mundo e, principalmente, a você que estás disposto a esquecer-se daquilo que não te pertence mais. É uma prova de que queres abrir caminhos, mudar rotas, conceitos e teorias, fugir da rotina ou até, criar uma nova. Tentar fugir desta, é uma tarefa difícil, visto que o ser humano se apega muito a datas e números e sempre necessita do tempo para começar e terminar algo, como se estivesse sempre buscando vencer seus próprios desafios, suas próprias metas. Mas seguir rotinas não significa depender delas e muito menos rejeitar mudanças. A grande maioria das pessoas tem medo de mudar, porque mesmo que neguem, tem medo de perder algo que não possuem mais. Acontece que a mente é sempre a última a livrar-se de coisas passadas, e somente através de mudanças repentinas, que ensinamos a ela como buscar coisas novas e esquecer de vez aquelas que só fazem mal por estarem confinadas eternamente ao passado.

Evolução


A cada ano que passa o mundo evolui e a humanidade junto com ele. Pelo menos é o que se espera já que, na teoria, o mundo não pode evoluir sem ela. Mas pode evoluir sem parte dela. A teoria, mais uma vez, nada tem haver com a prática. No mundo do caos, permita-me chamá-lo assim, só evolui aquele que for interessado o bastante para fazer crescer a economia, aquele que está interessado em enfrentar qualquer coisa para conseguir o que quer ou aquele que seria capaz de colocar em risco a própria família para “salvar” uma nação. Mas o que podemos chamar de evolução? Bombas atômicas e armas capazes de destruir o mundo num piscar de olhos? Não acho que compreenda mais o sentido dessa palavra. O que se caracteriza por evolução hoje, nada tem haver com seu significado do dicionário. Talvez, então, devêssemos estabelecer uma nova compreensão desta palavra, para que todos no mundo possam vir a entender que evolução deixou de ser um sinônimo de progresso há muito tempo. Ou talvez devêssemos parar de ser ignorantes e enxergar o que esta diante dos nossos olhos. A caracterização de evolução hoje me lembra o fim daquilo que buscávamos salvar. Como se todas as tentativas de salvar o planeta fossem em vão, já que, não é uma tsunami, um tornado ou uma era glacial que ira destruir o planeta. Mas sim, o homem com suas armas de última tecnologia.

Pressa


Acordou antes de o sol nascer. Levantou-se com tamanha rapidez, como antes nunca havia feito. Trancou-se no banheiro onde permaneceu por mais de 30 minutos. Era um grande dia!
O cabelo caia para um lado, ora para outro. Que diferença fazia? Pois eu lhe respondo: nenhuma. Mas para este jovem rapaz cujo nome é Rodolfo, um fio fora do lugar era capaz de impedi-lo de destrancar a porta. Na verdade, muita coisa o faria parar, como já havia acontecido no dia anterior, na semana anterior, no mês anterior.
Mas já era hora de dar um grande passo. Já era hora de esquecer que poderia se machucar com a queda e de acreditar que aquilo poderia realmente ter algum propósito. Talvez tivesse mesmo. Havia de ter!
Então que saiu pela porta do banheiro como um jato. Não por estar com pressa, pois adiantar o tempo era tudo que não queria naquele momento. Vestiu-se rapidamente sem dar tanta atenção a esses detalhes, (já havia perdido tempo demais no banheiro), mas não estava com pressa. Não comeu, não mastigou, não engoliu. Não roçou os dentes um no outro. Depois de pronto, sentou-se a cama e ali permaneceu por longos intermináveis minutos.
O despertador tocou. Era hora.
Saiu de casa sem paciência para esperar o elevador. Desceu as escadas tropeçando no ultimo degrau. Chegou à garagem e entrou no carro, ainda mais rápido que antes. Mas ainda assim, não estava com pressa. Fitou o volante, o espaço vazio ao seu lado. Imaginou-a por um segundo, sorrindo, contente pelo simples fato de estar ali, junto a ele.
Olhou-se no espelho do retrovisor e não conseguiu se reconhecer. Não conseguia encontrar esse cara no passado, com medo de dar o próximo passo. Ligou o motor quando fingiu ser corajoso e depois fingiu ter se reconhecido. Fingiu saber o que estava fazendo quando fingiu que podia compará-la com qualquer outra pessoa que conhecera.
Chegou à faculdade e sentou-se em uma das mesas, sem notar se já havia ali alguém sentado. Permaneceu ali olhando fixamente o estacionamento. Esperou. Estava com pressa.
Então que ela surgiu, como ele imaginava, e caminhou distraída em sua direção. Ele começou a pensar em tudo que deveria dizer. Pensou em aonde poderia falhar, em como aquilo era assustador e em como ele queria não dizer mais nada. Depois percebeu a sua fraqueza e, quando caiu em si, viu que ela estava parada bem diante de si.
Oi – sua voz parecia assustada, mas ela havia dito algo, ao menos.
Ele se levantou. Encarou-a de perto, ate onde pôde. Ela o encarava também. Confusa, aguardando sua resposta. Mas ele já estava respondendo, à sua maneira. Permaneceu ali por poucos segundos que pareciam eternos. Eternos o suficiente para atormentar-lhe a alma e fazê-lo correr dali. Foi o que fez, sem olhar para trás.
Chegou à sala ofegante. Sentou-se na última cadeira apavorado. Não estava com medo dela, mas de si mesmo. Não entendia, não conseguia suportar. Ali permaneceu até o fim das aulas. Assim que terminou, correu até o seu carro, encostou-se na porta e respirou como uma criança que tenta parar de chorar. Mas não chorava. Só estava com pressa.
Ficou ali até ela aparecer. Dessa vez ela fingiu não tê-lo visto, mas ele moveu as pernas sem saber como e foi até ao seu encontro.
Oi – respondera. Sua respiração ainda ofegante.
Ela lhe deu um sorriso meigo e sincero, ele retribuiu com o melhor que pôde.
Está tudo bem?
Está – ah, e como estava! – Perdoe-me hoje mais cedo. Não sei o que deu em mim... Eu não esperava vê-la logo pela manhã... Eu tive prova no primeiro tempo e... – engoliu seco – estava com um pouco de pressa. Sabe como é. Mas acabei não indo muito bem, acredite. Como eu disse, estava um pouco ansioso...
Ele parou de falar quando percebeu que ela estava rindo, gargalhando, de sua tentativa estúpida de tentar se desculpar. Controlou-se e pôs as mãos delicadas e macias em seu rosto, que enrijeceu com o toque inesperado. Ela sorriu mais uma vez e o beijou.
Retribui-lhe o beijo tanto almejado, tanto sonhado. Mais um pouco ele poderia estar chorando por gratidão àquele momento. Sentiu como se tivesse fazendo aquilo pela primeira vez. Como se nunca antes soubesse o prazer de ter um corpo colado ao seu.
Para ele, a Terra lhe pareceu dar a volta no sol trezentas vezes. Aquele era o momento que deveria ser eterno. Pois o seu desejo era insaciável, insuportavelmente maravilhoso. Mas ele sabia que poderia estragá-lo. Sabia que o faria.
Eu a... – parou de repente. Ela não compreendia, mas ainda sorria. – Eu te amo!
Seu sorriso se fechou. Ele pôde ver o sol ser coberto por nuvens pretas que trariam muita água. Ele fechou os olhos e rezou para que no fim pudesse ver um arco-íris.
Talvez não. Ela se afastou e fez exatamente como ele havia feito mais cedo. Saiu correndo sem olhar para trás. Olhou-a partir sentindo-se estranho e culpado. Ele havia ido longe demais. Ah, maldita pressa!
O mundo fechou-se a sua volta. Não conseguia lembrar-se do gosto do beijo da sua amada, do prazer daquele momento que deveria ser eterno e não conseguiu se estender por 5 minutos. De repente nada havia ao redor. Ele estava só, mais ainda que antes. Porque antes ele podia sonhar com aquele momento e agora! Ah, agora ele havia estragado tudo.
A chuva começou a cair com força e as gotas faziam pressão sobre a sua cabeça. Ela trazia consigo muito mais que água. Era muito mais doloroso que a sua frieza e força. Era como se não devesse mais pertencer àquele mundo, como se devesse sumir para sempre porque nada mais poderia fazer sentido. E realmente não fazia.
Depois de muito tempo conseguiu sair dali. Dirigiu com rapidez, porém não com pressa, pela rua vazia até chegar em casa. Quando chegou o apartamento estava alagado. Literalmente um náufrago.
Fechou as janelas, as portas, desligou os telefones, qualquer coisa que pudesse ligá-lo ao mundo lá fora. Olhou a sua volta e sentiu vontade de arrumar tudo e voltar para o lugar de onde veio. Mas não tinha pressa, ou talvez tivesse, mas a vontade de anestesiar a dor era ainda maior do que fugir dali. Deitou-se no tapete e adormeceu.
As batidas na porta o acordaram de um sono profundo. Sem pressa, levantou-se e atendeu a pessoa impaciente que batia com força em sua porta.
Era ela.
Seus olhares se entrelaçaram no espaço vazio. A respiração de ambos estava ofegante, os olhos tinham certo brilho. Permaneceram em silencio, apenas ouvindo as batidas aceleradas do coração, que tinha pressa.
Vim para dizer que sinto muito, ela começou – que sinto ter ido embora tão depressa. Vim para dizer que compreenda o meu tempo e que entenda que não é somente pelo fato deu não saber lhe retribuir o sentimento, que significa que algum dia eu não irei. Vim para dizer que quero amá-lo também, com todas as forças que possuo dentro de mim, mas eu não sei fazer isso com pressa. Vim para dizer que espere, pois sei que sou capaz de te fazer feliz como me fez naquele instante e como me faz agora. E por fim, vim para dizer que gosto de você, talvez não da forma que queira, mas da forma que consigo agora. E, acredite, por enquanto, isso basta.
Sim, aquilo era suficiente.

A Arte de Escrever

"Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes.

Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota.

Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer."
Graciliano Ramos