quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Anoitecemos

Queria encontrar a eternidade,
A moradia fincada em terra,
Raiz que se esvai de nós.
Sob os seus braços repousar
E assim permanecer -
Anoitecer.
Seus braços envolvendo o meu corpo
Que em carne, cru, é inteiro.
Seu.
A luz clara se põem do outro lado,
Distante.
No caminho nosso cheiro se confunde
Homogeniza-se dentro do fim da madrugada
Que não tarda, amanhece.
E a gente se esquece.
Volta a sonhar com os olhos abertos.

sábado, 14 de setembro de 2013

Às 18h

Pessoas passam como terremotos.
Atingem-me com seus pensamentos,
Viagens individuais,
Que se dissolvem no ar,
Misturam-se com a neblina
E o barulho dos automóveis.

Meus ouvidos estão atentos
Embora meus olhos tentem fugir,
Escapar.
Procuram o menor espaço por entre os corpos
- que se chocam.
Permanecem intactos
Embora desmoronem.

Procuro por rostos comuns,
Mas encontro fome em seus semblantes.
Vejo corpos se dissolvendo pelo asfalto seco,
Vejo nossa voz perdida dentro da multidão,
Os meus olhos desesperados
Refletidos em pupilas desconhecidas.

Encurralamo-nos.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Quebram-se os vasos

Sinto como tivessem-me arrancado as pétalas. Sinto-me crua,  seca.
E tudo porquê
Num súbito impulso
Eu arranquei as suas.
As suas que tão belas são
E que ainda mais belas ficaram
Quando caíram ao chão. 
Debrucei-me sobre a minha sombra
Quando, então, não pude mais encará-la
E caí.
Caí tão fundo que não sei aonde fui parar
Sei apenas que aquelas petalas
- as que arranquei,
Doem mais em mim que as minhas próprias.
Tudo porque agora o trabalho é dobrado:
Além das minhas
- que já são tantas,
É preciso juntar as suas.
E as suas
- principalmente.

sábado, 3 de agosto de 2013

Traçados a mão

Guardaríamos um sonho bom para mais tarde – esse era o plano.


Cultivaríamos o que quiséssemos. E assim a colheita seria deliciosa.
Mas não dá pra controlar o regime das chuvas. Logo mais tudo aqui em volta estará alagado. E não restará mais nada. Nada do que somos restará ainda que como pó. O pó ficará até o momento em que a correnteza de ar atravessar os nossos corpos fazendo toda a poeria voar. O pó que restar vai ficar intrometido no meio dos moveis e embaixo dos tapetes. Fora isso, nada. E eu nunca gostei daquele tapete.
Mas por que então chorar o fim? Por que adiá-lo como se o temêssemos?

Você olhará para mim como se não me reconhecesse.
E eu farei o mesmo.
Bateremos as portas.
E um dia talvez nos esbarremos na rua e os nossos olhos nos traiam. Ou talvez não. Talvez eles fujam e a gente fingirá que não se conhece. Ou se conheceu.
Lembraremos então, um do outro. Você vai olhar pra trás, mas não vai me achar. Tudo bem, não teríamos nada pra falar. É melhor assim.

terça-feira, 30 de julho de 2013

"De sofrer e amar a gente não se desfaz.."

Quebra-cabeça, quebra-coração, quebra-corpo, quebra-tudo,
mas a gente não-quebra.
Só amadurece.
E no final até se esquece
De catar os cacos
Que ficam no chão
Ao relento.
Peças soltas
Levadas ao vento para outro canto
Um lugar qualquer que falte pedaços
Que eu possa finalmente me juntar.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Pintando com a ponta dos pés

E a gente vai assim
juntinho
dançando sobre a escuridão
enquanto nos bordamos sobre o céu
pintado de azul e rosa.
Eu
Você
Duas pequenas migalhas perdidas dentro desse azul
Escuro, denso, infinito
Assim como nós
Quando recolorimos a nossa imensidão
E afogamo-nos um no outro
Como o peixe que pula sem medo
Para dentro do oceano sem fim.

domingo, 7 de julho de 2013

Carta de adeus ao velho avô

A necessidade de uma despedida acaba pesando mais do que a própria ida. Ainda é difícil de acreditar, parece que vou chegar na casa da minha avó e encontra-lo em sua cadeira de balanço a qualquer hora. Nesse momento, maior do que o adeus, maior do que entender o que é esse abismo que se estende para além da vida e de nós, é processar como tudo isso aconteceu tão depressa e levou de nós o nosso exemplo, o nosso forte. A gente sabe que uma hora ou outra, todo mundo sai daqui, deixa esse mundo louco que comporta tantos absurdos e injustiças. Sabemos disso. Mas não da pra prever a hora de ninguém. Talvez ele já soubesse. Talvez ele tenha arrumado tudo para que fosse embora sem dor, e sem prolongar o nosso sofrimento. Tudo isso aconteceu rápido demais. Primeiro, a doença. A temerosa doença. Depois a internação, as recaídas, o quadro de delírio e o fim. Eu ainda pensava que o teria de volta até dias atrás. Parece que estava ainda dentro da minha própria bolha de proteção, ignorando a verdade e a dor. “Nada vai acontecer, ele vai ficar bem. Ele vai ficar bem.” A gente sempre se esconde da morte e sempre se surpreende quando a encara independentemente de sabermos de cor e salteado que o fim de todos nós será o mesmo. Passamos a vida inteira ignorando o abismo que paira sobre o nosso lado fingindo não ver o quanto somos frágeis. Fingindo não ver o que não conseguimos entender. Na sexta feira, chegando ao hospital, de repente, a minha ficha caiu. Eu não compreendi na hora, ainda relutava. Mas alguma coisa me fazia chorar, me fazia entender que havia chegado. E assim consegui me despedir dele. Deitado na cama, sem conseguir falar, parecia dormir, mas alguma coisa me dizia que ele ouvia tudo o que eu queria falar. Eu estava sozinha no quarto com ele, entendi que era a minha vez. Parei ao seu lado e desejei, com o menor resquício de esperança que havia ainda dentro de mim, que ele melhorasse e voltasse logo para casa. Alguns segundos depois eu pensei melhor e pedi apenas que ficasse bem. As lágrimas caiam dos meus olhos e pingavam no lençol. A minha vontade era de sacudir o seu corpo, berrar e implorar pelo meu avô que parecia não estar mais ali. O meu avô que há dois meses era saudável. Um pouco esquecido, é verdade, mas saudável. Mas o meu pedido foi atendido e ele ficou bem. Quem não ficou fomos nós, os que ficaram. Os que ainda estão presos dentro dos seus sonhos e ambições impossíveis. Até a minha avó estava com as dela. Diz agora que não quer saber mais de nada, nem de festas, nem de reuniões, de nada. Mas eu tenho certeza que alguma força vai sair de dentro dela e vai coloca-la pra cima de novo. É triste demais ver alguém perder o companheiro da vida inteira. O desespero que lhe subia a garganta e os olhos. Como se o seu coração sufocasse, implorasse por outro destino. E então ela parava, com o olhar distante, e perguntava para qualquer um que estivesse ao seu lado: "Ele foi embora mesmo?" E ela continuava com o mesmo olhar. O olhar perdido, sem rumo, revelando a confusão que havia dentro de si.

Ao meu avô, então, eu deixo uma salva de palmas, muitos agradecimentos, e, claro, uma enorme saudade. A poeira dos dias vai passar por nós até que possamos aceitar que a vida tem dessas coisas. O meu avô é a primeira pessoa que eu vejo morrer. A primeira pessoa que eu conheço e sei que não vou mais encontrar. Todos me falam o mesmo, alegando que ele está num lugar melhor agora. É cliché, mas tudo que convém a esse momento também é, e eu realmente acho que ele esteja. O meu avô que lutou a vida inteira, que saiu de uma cidadezinha do interior da Bahia para completar o ensino médio em Salvador. Formou todos os irmãos, depois casou e construiu uma família aqui no Rio. O meu avô que, através do estudo (coisa que ele sempre falou), conseguiu, talvez, mais do que supunha um dia. O meu avô que me apresentou a literatura e passou para a mim a mesma paixão. Ele comprou meus primeiros livros, me deu quase inteira a obra de Shakespeare quando lhe pedi, assistiu as minhas peças e aplaudiu na primeira fila. Como ele vai fazer falta! As coisas ainda estão confusas, tenho a impressão que estão fora do lugar. A pessoa vai embora e parece que deixa aqui, de diferentes formas, pequenas representações. A cadeira de balanço ainda me faz lembrar imediatamente. Os quadros nas paredes. A casa. O quarto ainda não consegui entrar. E nos livros eu nem penso em tocar ainda. O meu avô que infelizmente não conseguiu acompanhar tudo o que gostaria, mas que certamente ensinou o bastante para as gerações seguintes. Descanse meu avô, descanse e cuide e de força para nós aqui. Nós que tanto sentimos a sua ausência, que tanto relutamos em aceitar, mas que agradecemos o fim de todo o sofrimento. Fique em paz.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Embriaguez

- Mais uma dose! – era a terceira vez que eu pedia. Ninguém me atendia.
O copo chegava até bem perto de mim, até bem perto dos meus sentidos. Eu sentia o seu cheiro carregado pelo ar, o seu gosto queimando em minha língua, o suor escorrendo pelas beradas.
Eu estendia a mão, chegava às vezes até a sentir a temperatura suave da sua pele. Minha mão se fechava, como se a tentasse capturar, mas restava somente vento. E poeira.
O garçom então caminhava pelo resto do salão, servindo a todos. Menos a mim.
- Você já teve a sua! – ele dizia.
E daí? Eu queria mais. Queria me embriagar mais uma vez naquele gosto, naquela explosão que fazia arder todo o meu corpo, até me sufocar. Queria me perder da mesma forma que me encontrei uma vez.
Certa noite, cerca de quatro meses atrás, eu tive a minha primeira dose. Estava saindo de um porre quando me deparei com a novidade.
Primeiramente percebi que não me caberia chegar tão perto, não me sentia suficientemente poderoso para provar daquele copo. Não daquele. Até porque, o copo em que eu bebia antes era também muito valioso, mas a ele me restaram poucos goles. Dessa vez eu estava com sede acumulada, queria virar o copo inteiro, e não somente a metade.
Eu não acreditei que seria capaz, mas quando me olhei no espelho, vi o reflexo do meu corpo com o copo nas mãos.
Eu o segurava sem força, mas com vontade. E eu bebia um, dois, três, quantos goles eu quisesse. Era impossível resistir àquele gosto, àquela temperatura, àquela música que soava no fundo que nos fazia dançar e esquecer de todo o resto.
E o mundo sumiu realmente. De repente eu me vi perdido em outro universo, um lugar que até então meus olhos não conheciam, mas eu já havia visitado há tempos em noites de lua cheia.
Acordei no dia seguinte e não sabia se ainda sonhava ou se já era dia.
A noite anterior se repetia como um disco arranhado. Eu não me cansava de rir, tamanha era a felicidade que sentia por ter conhecido aquele gosto. Eu nunca imaginei que eu seria capaz de conseguir algo tão especial.
Uma semana depois eu voltei ao bar para a minha segunda dose.
Não tão magica como a primeira, mas ainda assim extremamente deliciosa, aquela dose atingiu ainda mais forte o meu ser. Lá estava eu, mais uma vez, perdido no mundo paralelo que criamos para nós dois.
Foi na semana seguinte, no entanto, que tudo mudou.
Quando eu voltei ao bar para mais uma dose, o copo já estava em uma mesa qualquer.
Eu tentei recuar, chamei o garçom, o gerente, o segurança, o dono do bar. Não adiantou.
O problema é que desde então eu não consegui beber nenhuma outra bebida, porque nada parecia me satisfazer como aquela. É difícil beber uísque vagabundo depois de provar uísque de tão alta classe. E eu não queria beber mais nada para estancar a minha sede. Queria apenas aquele copo especifico com aquela bebida.
Passando então a frequentar regularmente o mesmo bar, comecei a conhecer, ou a tentar, novos sabores, novas experiências. Todas fracassaram, e eu finalmente me convenci de que voltava somente àquele local porque esperava sair de lá embriagado como nas outras vezes em que o copo mais precioso estava em minhas mãos.
As imagens daquelas noites ficaram tatuadas em mim. Eu fechava os olhos e sentia meu corpo balançar, perder o equilíbrio, me encontrando no vazio da solidão, que agora era mais confortável porque as lembranças eram ainda presentes.
Perdi a conta de quantas vezes voltei e me deparei com ela em outras mãos. Mas ela me provocava, todas às vezes, como se quisesse mostrar que fazia questão do meu retorno. E eu voltava, viciado e atormentado pelo o que causava em mim.
O tempo foi passando e eu fui matando a mim mesmo com a ressaca constante que me atormentava por tanto esperar. Eram frustrações todas às vezes, e quando eu ameaçava desistir, o copo aparecia na minha frente como um delírio. Mas não era. Eu a tocava, ela sorria, reascendia em mim a mesma chama. E desaparecia.
Estava a beira de enlouquecer quando me proibi de retornar ao local.
Meses se passaram e eu fui aprendendo a resistir ao mesmo tempo em que não provocava a minha sede, evitando passar perto, mesmo do outro lado da rua era perigoso. Só que, certa vez, sem nenhuma pretensão, minhas pernas me guiaram até lá.
O bar não havia mudado quase nada. E nem ela.
Continuava irresistível, pousando sozinha na beira do balcão.
Ela me viu chegar e pulou de alegria. Correu até mim e não precisou chegar perto demais para que o seu cheiro me embriagasse mais uma vez.

E lá estava eu, mais uma vez. Entregue à delicia e ao delírio de te pertencer. Embriagado.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Precipitações

Eu queria controlar o mundo
o meu, que fossse,
e já seria muito.
Queria controlar o que suga o meu corpo
o que absorve a minha pele e alma,
o que fica.
Eu nunca havia me dado conta
de quantas coisas cabem aqui.
Agora,
agora que coloco tudo para fora,
dói mais por nunca ter entendido a extensa 
quantidade de excessos que colecionava.
Não servem para nada.
Não sirvo para nada.
O meus excessos me transbordam
e escorrem por lágrimas.
Quando eu penso que tudo se foi,
a chuva se condensa e,
eventualmente,
precipita.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Amarelas


Entrei pela porta da frente naquele dia.
Caminhei até a cozinha e me deparei com um pequeno vaso de flores em cima da mesinha. Flores amarelas.
"Não são para mim", pensei.
Saí da cozinha para deixar bolsa, sapato, chave e livro em algum canto do quarto. Voltei e lá estavam elas: amarelas. Flores amarelas.
Resolvi ligar.
---------------
Ninguém atendeu.
Elas me encaravam como pequenos girassóis. Mas não eram. Se fossem girassóis, faria sentido. Girassóis são sempre amarelos. Exceto quando não são girassóis.
Aquelas ali eram miúdas. Bonitas, é verdade, mas pequenininhas. A-ma-re-li-nhas.
Eram tantas que pareciam se debruçar uma sobre a outra. Lutavam por espaço e atenção dentro daquele vasinho de plástico preto.
Enchi minha caneca com o café que estava na garrafa desde cedo.
Frio.
Abri a geladeira para pegar o açúcar.
Depois abri novamente para guardá-lo.
Abri ainda uma terceira vez, mas não peguei nada.
Virei meu corpo e encarei-as novamente.
Cheguei a pegar o vaso com a ideia de colocá-lo na varanda. Talvez precisassem de ar. E sol.
O vaso caiu então, e se distribuiu pelo chão, fazendo a terra e aquelas coisinhas amarelas se espalharem pelo mármore branco.
Quando voltei com o pano, notei que apenas algumas tinham caído, e estavam estranhamente distribuídas sobre aquela terra escura, quase preta.
"Bonito", pensei.
Coloquei o vaso no mesmo lugar onde encontrei. Elas pareciam menos espremidas agora. Pareciam maiores. Mas não eram. E continuavam amarelas. Eu não conseguia entender.
Talvez ele as estivesse comprado para filha de alguém. Ou outra mulher. Ou talvez tenha simplesmente errado a cor por ter comprado com pressa.
Ouvi a porte bater.
Abri a geladeira.
- Oi, amor.
- Oi.
Ele deixou as chaves em cima da mesa da cozinha. Sempre fazia isso.
- Viu as flores que eu comprei pra você?
- Pra mim?
- Ué, claro - ele mastigava uma maça enquanto falava.
Virei de costas e encarei-as de novo. E lá estavam: amarelinhas de um jeito irritantemente delicado.
- Por que amarelas?
Ele parou um instante e as observou.
- Não sei.
Ele saiu da cozinha sem dizer mais nada.
Até hoje eu não entendo.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Djavanizando

O amor que cresce em nós
circula como água
que desce com a chuva.
Esquenta.
Volta para o céu
que escurece
e carrega
(novamente)
as nuvens
desagua
em mim
e eu
oceano.
Oceano-me
dentro do seu corpo
imenso
e afogo
-me
por prazer
e devoção
à você.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Infinitizar-Nós


Adoro infinitos.

Retas que seguem lado a lado 
Ultrapassam o papel que lhes é delimitado
Ultrapassam o limite que lhes fora concedido
E seguem juntas rumo ao desconhecido.

Adoro a ideia de estar em órbita
Afogada e imersa nesse grande universo
Onde cabem estrelas
Infinitas, também.

Adoro a ideia de viver de amor com você.
E adoro como essa idéia parece infinita hoje.

Infinitizo-nos
Para perpetuar o que somos
O que queremos ser
O que queremos fazer
Dentro do nosso imenso mar
Infinito
De amor.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Um Instante


Amor,
escuta,
eu preciso falar agora.
É, eu sei.
É só escutar
um instante.
Quanto custa
um instante?
Nós?
Talvez seja um preço alto a pagar.
Que seja então
nós.
Pagaria esse preço.
Não.
Não tenho dinheiro.
Mas gostaria.
Arriscaria.
Você
não?
Sei lá.
Acho que estarmos juntos
já é caro demais.
E por que então
o risco
não valeria?

quarta-feira, 13 de março de 2013

Infinito Particular


Ele chega de mansinho na calada da noite
Deita ao meu lado
Encosta a cabeça em meu peito
E adormece.
Repousa em mim tamanho peso
Que sufoca o meu corpo
Me tira o sono
Me tira 
Tudo.
As luzes se apagam
E tudo se perde no ar:
Eu me perco de mim
De ti,
E temo em pensar que você também se perca
No meio dessa imensidão
Que me inunda.
E assim espero raiar o dia
- um novo dia,
Em que eu possa matar todo esse pesar
Saciando-me com doses carregadas
De você.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Pão-Com-Manteiga


Sinto falta do barulho que ele fazia para cortar as cebolas. O excesso de manteiga que passava no pão. As doses exatas de açúcar que colocava no meu café.
Voltávamos pra cama e espalhávamos pelos lençóis o excesso de amor que talvez não coubesse em nenhum outro lugar. O café esfriava.
Sinto falta de ver a sombra do seu pé se aproximando por debaixo da porta. Os seus sapatos. A maneira como os organizava. E desorganizava suas camisas. A escova de dente que dividíamos às vezes. As colheres. Os garfos. Não. Os garfos não. Os garfos eram terríveis. Você tentava quebra-los sempre que comia com eles. Os dentes batiam com força no metal e faziam um barulho alto demais. Eu me levanta da mesa, todas às vezes. Você vinha atrás de mim. Vinha com o restante de comida na boca. E o som se repetia à medida que tentava falar. Brigávamos.
As portas se batiam.
Você dormia no sofá.
Eu dormia na metade do colchão.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Correnteza


Meus olhos não conseguem se soltar.
Aprisionaram-se a você e a todo esse castelo que construí para nós. A tudo que não ocorreu e que existiu apenas nas noites estreladas em que dançávamos no céu.
Nós dois.
Sobre o negro céu que se bordava sob a forma de estrelas coloridas.
As imagens se formam e se reformam como nuvens na minha mente. Apostando corrida pelo infinito solar que ainda cabe dentro de mim. Parece que nunca saíram daqui. Talvez não tenham, realmente.
Talvez a minha sina seja escrever sobre você. Dedicar-lhe a certeza de caber inteiramente naquilo que eu julgo ser o meu mais precioso dom.
Meus dedos se melam com o lápis e o papel e as folhas e o excesso de linhas que se formam ao meu redor.
E escorregam.
Mas eu insisto. Eu preciso insistir.
Você me sufoca.
Me sufoca com doses relativamente leves da sua existência.
Afogo-me no meio de tudo isso. E acho que gosto.
Gosto muito.
Quanto mais água eu engulo, mais pesado fica o meu corpo. Que afunda.
Afunda no abismo da imensidão.
Infinitamente.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Labirintos


Dizeres tentam transbordar,
Escorrer de mim enquanto me revelam
- ou revelariam,
Denunciariam o meu coração
A minha estupidez.
Mordo a língua.
Engulo-o.
Engulo-nos.
Chego em casa e preciso colocá-lo
Para fora
Daqui.
Vomito tudo.
E depois te encontro.

Dizeres tentam transbordar
De mim.