sexta-feira, 7 de junho de 2013

Embriaguez

- Mais uma dose! – era a terceira vez que eu pedia. Ninguém me atendia.
O copo chegava até bem perto de mim, até bem perto dos meus sentidos. Eu sentia o seu cheiro carregado pelo ar, o seu gosto queimando em minha língua, o suor escorrendo pelas beradas.
Eu estendia a mão, chegava às vezes até a sentir a temperatura suave da sua pele. Minha mão se fechava, como se a tentasse capturar, mas restava somente vento. E poeira.
O garçom então caminhava pelo resto do salão, servindo a todos. Menos a mim.
- Você já teve a sua! – ele dizia.
E daí? Eu queria mais. Queria me embriagar mais uma vez naquele gosto, naquela explosão que fazia arder todo o meu corpo, até me sufocar. Queria me perder da mesma forma que me encontrei uma vez.
Certa noite, cerca de quatro meses atrás, eu tive a minha primeira dose. Estava saindo de um porre quando me deparei com a novidade.
Primeiramente percebi que não me caberia chegar tão perto, não me sentia suficientemente poderoso para provar daquele copo. Não daquele. Até porque, o copo em que eu bebia antes era também muito valioso, mas a ele me restaram poucos goles. Dessa vez eu estava com sede acumulada, queria virar o copo inteiro, e não somente a metade.
Eu não acreditei que seria capaz, mas quando me olhei no espelho, vi o reflexo do meu corpo com o copo nas mãos.
Eu o segurava sem força, mas com vontade. E eu bebia um, dois, três, quantos goles eu quisesse. Era impossível resistir àquele gosto, àquela temperatura, àquela música que soava no fundo que nos fazia dançar e esquecer de todo o resto.
E o mundo sumiu realmente. De repente eu me vi perdido em outro universo, um lugar que até então meus olhos não conheciam, mas eu já havia visitado há tempos em noites de lua cheia.
Acordei no dia seguinte e não sabia se ainda sonhava ou se já era dia.
A noite anterior se repetia como um disco arranhado. Eu não me cansava de rir, tamanha era a felicidade que sentia por ter conhecido aquele gosto. Eu nunca imaginei que eu seria capaz de conseguir algo tão especial.
Uma semana depois eu voltei ao bar para a minha segunda dose.
Não tão magica como a primeira, mas ainda assim extremamente deliciosa, aquela dose atingiu ainda mais forte o meu ser. Lá estava eu, mais uma vez, perdido no mundo paralelo que criamos para nós dois.
Foi na semana seguinte, no entanto, que tudo mudou.
Quando eu voltei ao bar para mais uma dose, o copo já estava em uma mesa qualquer.
Eu tentei recuar, chamei o garçom, o gerente, o segurança, o dono do bar. Não adiantou.
O problema é que desde então eu não consegui beber nenhuma outra bebida, porque nada parecia me satisfazer como aquela. É difícil beber uísque vagabundo depois de provar uísque de tão alta classe. E eu não queria beber mais nada para estancar a minha sede. Queria apenas aquele copo especifico com aquela bebida.
Passando então a frequentar regularmente o mesmo bar, comecei a conhecer, ou a tentar, novos sabores, novas experiências. Todas fracassaram, e eu finalmente me convenci de que voltava somente àquele local porque esperava sair de lá embriagado como nas outras vezes em que o copo mais precioso estava em minhas mãos.
As imagens daquelas noites ficaram tatuadas em mim. Eu fechava os olhos e sentia meu corpo balançar, perder o equilíbrio, me encontrando no vazio da solidão, que agora era mais confortável porque as lembranças eram ainda presentes.
Perdi a conta de quantas vezes voltei e me deparei com ela em outras mãos. Mas ela me provocava, todas às vezes, como se quisesse mostrar que fazia questão do meu retorno. E eu voltava, viciado e atormentado pelo o que causava em mim.
O tempo foi passando e eu fui matando a mim mesmo com a ressaca constante que me atormentava por tanto esperar. Eram frustrações todas às vezes, e quando eu ameaçava desistir, o copo aparecia na minha frente como um delírio. Mas não era. Eu a tocava, ela sorria, reascendia em mim a mesma chama. E desaparecia.
Estava a beira de enlouquecer quando me proibi de retornar ao local.
Meses se passaram e eu fui aprendendo a resistir ao mesmo tempo em que não provocava a minha sede, evitando passar perto, mesmo do outro lado da rua era perigoso. Só que, certa vez, sem nenhuma pretensão, minhas pernas me guiaram até lá.
O bar não havia mudado quase nada. E nem ela.
Continuava irresistível, pousando sozinha na beira do balcão.
Ela me viu chegar e pulou de alegria. Correu até mim e não precisou chegar perto demais para que o seu cheiro me embriagasse mais uma vez.

E lá estava eu, mais uma vez. Entregue à delicia e ao delírio de te pertencer. Embriagado.

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