segunda-feira, 9 de julho de 2012

Um Brasil Campeão


Aquele era um ano que certamente havia começado ao contrário. Parecia despreparado, infantil, exatamente como uma criança que se recusa a crescer e largar as bonecas. O medo era de deixar certos acontecimentos para trás porque o esquecimento é sempre possível, já que o tempo tratará de preencher-nos com novidades. Mas dói muito quando esquecemos e não nos damos conta. Dói mais ainda quando não somos capazes de lembrar.
Talvez eu tenha exagerado um pouco ao dizer que foi aquele ano que havia começado errado. As coisas andavam estranhas fazia já algum tempo, junto com aquela sensação de nostalgia sempre presente, afogada nas decepções e nas falsas esperanças.
O ano era 1994. E não é que eu ligasse realmente para futebol, mas naquela época do ano em 1990, papai havia voltado a andar torcendo pela nossa seleção.
O futebol sempre lhe foi fiel nas alegrias. Enquanto ele passava o resto do ano reclamando do país por conta da corrupção, da pobreza escancarada e constantemente varrida para baixo do tapete, da falta de educação das pessoas, da morbidez da juventude atual e até da deprimente qualidade da musica brasileira; o futebol era para ele a razão de seu patriotismo. Quando a seleção entrava em campo o Brasil não tinha mais defeitos ou imperfeições. Era visível a paixão que lhe ardia nos olhos, era bonito de ver.
Logo após a derrota da Seleção em 90, porém, o mundo parece que virou as costas para ele. Mal se recuperava de uma operação no joelho quando levou um tombo que o obrigou a voltar para o hospital e ficar preso numa cama por uma semana. A depressão não tardou a chegar. A partir de então ele foi só piorando. Perdeu parte da audição após uma infecção no ouvido esquerdo, voltou para o hospital após apresentar um quadro grave de anemia, mas o pior ainda estava por vir. No final do ano de 1991, chegou o pior dos pesadelos chamado Alzheimer.
Os anos mais negros de nossas vidas se iniciaram. Até me acostumar com a ideia de que, em breve, meu próprio pai se esqueceria do meu nome, das coisas que costumavam lhe fazer rir, o amor pela boa, pelo Brasil campeão, as maravilhosas memórias que havia vivido, ou mesmo de pequenas coisas como o que havia feito no dia anterior; até aceitar tudo isso, muitas alegrias passaram despercebidas.
Foi então que, durante uma tarde qualquer em que o Brasil jogava contra a Suécia, ele teve um sobressalto em frente à TV e simplesmente começou a torcer como antes. As lágrimas caíam-lhe dos olhos ao ver a bola dentro do gol, a paixão transbordava-lhe pela garganta. Ele sabia que estava agindo de forma inesperada, e talvez por essa razão comemorasse com ainda mais intensidade do que o habitual, como se soubesse que aquele poderia ser o último suspiro de vida da sua memória.
“Nós vamos ser tetra!“ – ele exclamou, como se nunca tivesse se esquecido de coisa alguma. Como se o futebol lhe estivesse protegido em um lugar especial, intocado.
No jogo seguinte, quando a seleção levantou a taça de campeã, ele voltou a vibrar de alegria. A memória novamente lhe retornava proporcionando um momento extremamente sincero de felicidade. Então ele pulava, cantava, berrava pela janela o quanto era feliz e não se lembrava.
A lucidez lhe durou uma tarde inteira, e lhe permitiu comemorar a vida com mais consciência e prazer. Tudo voltou ao normal depois disso, mas por aqueles breves momentos, seríamos eternamente gratos ao futebol, mesmo tendo durado apenas algumas horas. A felicidade é sempre bem vinda, por mais curta que seja a visita.
E viva o Brasil tetra campeão!

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