- Mais uma dose! – era a terceira
vez que eu pedia. Ninguém me atendia.
O copo chegava até bem perto de
mim, até bem perto dos meus sentidos. Eu sentia o seu cheiro carregado pelo ar,
o seu gosto queimando em minha língua, o suor escorrendo pelas beradas.
Eu estendia a mão, chegava às
vezes até a sentir a temperatura suave da sua pele. Minha mão se fechava, como
se a tentasse capturar, mas restava somente vento. E poeira.
O garçom então caminhava pelo
resto do salão, servindo a todos. Menos a mim.
- Você já teve a sua! – ele
dizia.
E daí? Eu queria mais. Queria me
embriagar mais uma vez naquele gosto, naquela explosão que fazia arder todo o
meu corpo, até me sufocar. Queria me perder da mesma forma que me encontrei uma
vez.
Certa noite, cerca de quatro
meses atrás, eu tive a minha primeira dose. Estava saindo de um porre quando me
deparei com a novidade.
Primeiramente percebi que não me
caberia chegar tão perto, não me sentia suficientemente poderoso para provar
daquele copo. Não daquele. Até porque, o copo em que eu bebia antes era também
muito valioso, mas a ele me restaram poucos goles. Dessa vez eu estava com sede
acumulada, queria virar o copo inteiro, e não somente a metade.
Eu não acreditei que seria capaz,
mas quando me olhei no espelho, vi o reflexo do meu corpo com o copo nas mãos.
Eu o segurava sem força, mas com
vontade. E eu bebia um, dois, três, quantos goles eu quisesse. Era impossível
resistir àquele gosto, àquela temperatura, àquela música que soava no fundo que
nos fazia dançar e esquecer de todo o resto.
E o mundo sumiu realmente. De
repente eu me vi perdido em outro universo, um lugar que até então meus olhos
não conheciam, mas eu já havia visitado há tempos em noites de lua cheia.
Acordei no dia seguinte e não
sabia se ainda sonhava ou se já era dia.
A noite anterior se repetia como
um disco arranhado. Eu não me cansava de rir, tamanha era a felicidade que
sentia por ter conhecido aquele gosto. Eu nunca imaginei que eu seria capaz de
conseguir algo tão especial.
Uma semana depois eu voltei ao
bar para a minha segunda dose.
Não tão magica como a primeira,
mas ainda assim extremamente deliciosa, aquela dose atingiu ainda mais forte o
meu ser. Lá estava eu, mais uma vez, perdido no mundo paralelo que criamos para
nós dois.
Foi na semana seguinte, no entanto,
que tudo mudou.
Quando eu voltei ao bar para mais
uma dose, o copo já estava em uma mesa qualquer.
Eu tentei recuar, chamei o
garçom, o gerente, o segurança, o dono do bar. Não adiantou.
O problema é que desde então eu
não consegui beber nenhuma outra bebida, porque nada parecia me satisfazer como
aquela. É difícil beber uísque vagabundo depois de provar uísque de tão alta
classe. E eu não queria beber mais
nada para estancar a minha sede. Queria apenas aquele copo especifico com
aquela bebida.
Passando então a frequentar
regularmente o mesmo bar, comecei a conhecer, ou a tentar, novos sabores, novas
experiências. Todas fracassaram, e eu finalmente me convenci de que voltava
somente àquele local porque esperava sair de lá embriagado como nas outras
vezes em que o copo mais precioso estava em minhas mãos.
As imagens daquelas noites
ficaram tatuadas em mim. Eu fechava os olhos e sentia meu corpo balançar,
perder o equilíbrio, me encontrando no vazio da solidão, que agora era mais
confortável porque as lembranças eram ainda presentes.
Perdi a conta de quantas vezes voltei
e me deparei com ela em outras mãos. Mas ela me provocava, todas às vezes, como
se quisesse mostrar que fazia questão do meu retorno. E eu voltava, viciado e
atormentado pelo o que causava em mim.
O tempo foi passando e eu fui
matando a mim mesmo com a ressaca constante que me atormentava por tanto
esperar. Eram frustrações todas às vezes, e quando eu ameaçava desistir, o copo
aparecia na minha frente como um delírio. Mas não era. Eu a tocava, ela sorria,
reascendia em mim a mesma chama. E desaparecia.
Estava a beira de enlouquecer
quando me proibi de retornar ao local.
Meses se passaram e eu fui
aprendendo a resistir ao mesmo tempo em que não provocava a minha sede,
evitando passar perto, mesmo do outro lado da rua era perigoso. Só que, certa
vez, sem nenhuma pretensão, minhas pernas me guiaram até lá.
O bar não havia mudado quase
nada. E nem ela.
Continuava irresistível, pousando
sozinha na beira do balcão.
Ela me viu chegar e pulou de
alegria. Correu até mim e não precisou chegar perto demais para que o seu
cheiro me embriagasse mais uma vez.
E lá estava eu, mais uma vez. Entregue à delicia e ao
delírio de te pertencer. Embriagado.