Aquele era um
ano que certamente havia começado ao contrário. Parecia despreparado, infantil,
exatamente como uma criança que se recusa a crescer e largar as bonecas. O medo
era de deixar certos acontecimentos para trás porque o esquecimento é sempre
possível, já que o tempo tratará de preencher-nos com novidades. Mas dói muito
quando esquecemos e não nos damos conta. Dói mais ainda quando não somos
capazes de lembrar.
Talvez eu tenha
exagerado um pouco ao dizer que foi aquele ano que havia começado errado. As
coisas andavam estranhas fazia já algum tempo, junto com aquela sensação de
nostalgia sempre presente, afogada nas decepções e nas falsas esperanças.
O ano era
1994. E não é que eu ligasse realmente para futebol, mas naquela época do ano
em 1990, papai havia voltado a andar torcendo pela nossa seleção.
O futebol
sempre lhe foi fiel nas alegrias. Enquanto ele passava o resto do ano
reclamando do país por conta da corrupção, da pobreza escancarada e
constantemente varrida para baixo do tapete, da falta de educação das pessoas,
da morbidez da juventude atual e até da deprimente qualidade da musica
brasileira; o futebol era para ele a razão de seu patriotismo. Quando a seleção
entrava em campo o Brasil não tinha mais defeitos ou imperfeições. Era visível
a paixão que lhe ardia nos olhos, era bonito de ver.
Logo após a
derrota da Seleção em 90, porém, o mundo parece que virou as costas para ele.
Mal se recuperava de uma operação no joelho quando levou um tombo que o obrigou
a voltar para o hospital e ficar preso numa cama por uma semana. A depressão
não tardou a chegar. A partir de então ele foi só piorando. Perdeu parte da
audição após uma infecção no ouvido esquerdo, voltou para o hospital após
apresentar um quadro grave de anemia, mas o pior ainda estava por vir. No final
do ano de 1991, chegou o pior dos pesadelos chamado Alzheimer.
Os anos mais
negros de nossas vidas se iniciaram. Até me acostumar com a ideia de que, em
breve, meu próprio pai se esqueceria do meu nome, das coisas que costumavam lhe
fazer rir, o amor pela boa, pelo Brasil campeão, as maravilhosas memórias que
havia vivido, ou mesmo de pequenas coisas como o que havia feito no dia
anterior; até aceitar tudo isso, muitas alegrias passaram despercebidas.
Foi então que,
durante uma tarde qualquer em que o Brasil jogava contra a Suécia, ele teve um
sobressalto em frente à TV e simplesmente começou a torcer como antes. As
lágrimas caíam-lhe dos olhos ao ver a bola dentro do gol, a paixão
transbordava-lhe pela garganta. Ele sabia que estava agindo de forma
inesperada, e talvez por essa razão comemorasse com ainda mais intensidade do
que o habitual, como se soubesse que aquele poderia ser o último suspiro de
vida da sua memória.
“Nós vamos ser
tetra!“ – ele exclamou, como se nunca tivesse se esquecido de coisa alguma.
Como se o futebol lhe estivesse protegido em um lugar especial, intocado.
No jogo
seguinte, quando a seleção levantou a taça de campeã, ele voltou a vibrar de
alegria. A memória novamente lhe retornava proporcionando um momento
extremamente sincero de felicidade. Então ele pulava, cantava, berrava pela
janela o quanto era feliz e não se lembrava.
A lucidez lhe
durou uma tarde inteira, e lhe permitiu comemorar a vida com mais consciência e
prazer. Tudo voltou ao normal depois disso, mas por aqueles breves momentos,
seríamos eternamente gratos ao futebol, mesmo tendo durado apenas algumas
horas. A felicidade é sempre bem vinda, por mais curta que seja a visita.
E viva o
Brasil tetra campeão!
Nenhum comentário:
Postar um comentário